Friday, August 17, 2012

Laerte - "Em nossa época, vivemos a possibilidade de que grupos sociais reivindiquem o fim das discriminações milenares a que vêm sendo submetidos - sinal de que essa mudança já está acontecendo, o que é uma boa notícia."



Oi, pessoal, esperamos que todos estejam muito bem. O nosso convidado de hoje se chama Laerte Coutinho. Laerte é de Sampa e é um dos mais importantes e talentosos cartunistas do Brasil; atualmente, Laerte também atua como ativista pelos direitos dos homossexuais junto ao movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) brasileiro. 
LusoQuerido Laerte, estamos muito felizes que você tenha aceitado o nosso convite para esse bate-papo. Ontem à tarde, divertia-me lendo as tirinhas da personagem Deus, essa é definitivamente minha tirinha favorita. Você já criou tantas personagens magníficas, Deus é apenas mais uma delas.
Lembro-me de você ter dito certa vez que a personagem Hugo acompanha a sua trajetória pessoal. E, na atual fase, da mesma forma que o seu criador, Hugo veste-se de mulher e faz muitos questionamentos acerca da sexualidade e da maneira como as pessoas se comportam e se definem a partir de seus gêneros. Bem, suas tirinhas têm e sempre tiveram um caráter extremamente questionador da realidade, da sociedade, enfim de tudo. De que forma você acha que essa nova, criativa e contestadora fase de seu trabalho e de sua vida vai influenciar as pessoas? 
Laerte: Tenho alguma dificuldade em ser analítico em relação ao que faço. Acho meio tabu.Tenho passado por mudanças pessoais, isso sim. Não são movimentos espontâneos, nascidos do meu umbigo e sim relacionados com outras pessoas e ideias; do mesmo modo, acho que a minha parte nesse movimento também gera reflexões pelo mundo afora.
Luso: Atualmente, pode-se afirmar que a grande vitória do Movimento LGBT, no Brasil, é a legalização da união entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, isso tem gerado tanta polêmica entre os setores mais conservadores da sociedade. Lembro-me de ter lido algumas reportagens sobre o projeto "cura gay" do deputado federal por Goiás João Campos; há, inclusive, um médico psiquiatra chamado Marcelo Caixeta que afirma que "o homossexualismo é situação desadaptativa, portanto é doença."  Você acha que as pessoas estão verdadeiramente preparadas para a aceitação do outro, quer dizer, para uma mudança profunda da percepção que se tem do outro e dos cristalizados códigos de valores e condutas que têm guiado a nossa sociedade por tantos anos?
Laerte: Os argumentos desse Caixeta, falando em "desadaptação", em "provas científicas" de diferença cerebral, são fascismo puro. Que discursos como o dele mereçam consideração ainda - isso que é chocante. Em nossa época, vivemos a possibilidade de que grupos sociais reivindiquem o fim das discriminações milenares a que vêm sendo submetidos - sinal de que essa mudança já está acontecendo, o que é uma boa notícia. Aliás, a palavra "evangelho" significa exatamente "boa notícia".
LusoA sua opção pelo "crossdressing" tem mexido com a cabeça de muita gente. É interessante que, tanto no Brasil quanto aqui nos Estados Unidos, quando alguém se assume homossexual costuma-se dizer que "ela/ele saiu do armário", em inglês, "get out of the closet"; talvez a escolha do vestuário remeta-nos a um universo de simbologias muito poderoso. O que você acha?
Laerte: Palavras, palavras! Náo curto esta - "crossdressing". Acho que nem como os americanos a usam; é estigmatizador em relação às travestis, às pessoas que se travestem. Procura criar uma esfera social "diferente", onde a transgeneridade possa ser vivida como um hobby de gente sofisticada, como um capricho de heterossexuais etc. Talvez gente transgênera seja um tabu à parte, mesmo. Sua expressão não se limita ao vestuário, embora se apoie bastante nele. Ela rompe as divisões de gênero,  onde boa parte das convenções sociais se apoiam.
LusoE a moçada, você acha que os jovens encaram tudo isso mais abertamente? 
Laerte: Não quantifiquei ainda as reações - apoios e não-apoios, de jovens ou não-jovens tem aparecido tanto em manifestaçoes pessoais quanto em mídias variadas. Tenho a impressão de que as que são pessoais tendem a ser de apoio. 
Luso: Lembro-me de ter lido em algum lugar da internet que a velhice é uma espécie de principiar da liberdade. Apesar de não me lembrar da fonte, gostei da idéia. Será que nos tornamos mais livres à medida que envelhecemos? 
Laerte: Pode ser que sim. Na verdade, não sei bem se a palavra é "livre". Ou se devemos qualificar - "livre de" ou "livre para" alguma coisa. Se nos damos ao trabalho de manter a mente interessada nas possibilidades da vida, não cessa nunca o processo de mudanças. Mas reconheço que determinadas pressões e determinados argumentos se fazem mais leves à medida em que vamos vivendo.
LusoQuerido, muito obrigada por sua participação. Beijos e abraços.

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